terça-feira, 2 de agosto de 2011

O silencio que fala



By Dudu Guedes

Na semana passada, surgiram a mesa do almoco comentarios acerca da admiracao de grandes empresarios. Pessoas com uma historia de sucesso de muitor suor, que construiram do nada muita fortuna e respeito. Batalhadores e admiraveis.

Tive que discordar. Nao que eu despreze o valor destas historias. Claro, tem seu merito e devem ser mesmo lembradas, comentadas e reconhecidas. Mostram a capacidade de superacao humana, trazem tambem progresso e prosperidade economica. Mas quase ninguem comenta daqueles que renunciaram a vida material em prol de uma causa maior, seja espiritual ou simples doacao. Lideres espiritualistas estao em extincao no ocidente. Valorizamos os lideres materialistas. Ora, creio que sair "do nada para tudo" eh muito mais facil do que sair do "tudo para o nada por livre e espontanea vontade". O ultimo certamente tem um coeficiente ainda maior de valor, mas nao na nossa cultura ...

Minha admiracao vai para estas pessoas. Que conseguem enxergar ainda em vida as coisas realmente importantes da vida. Que reconhecem a poesia num canto de passarinho. Que escolhem como papel de parede particular do seu dia o sorriso de uma criança. Que trocam o conforto de um banco de couro de um automovel de ultima geracao pelo selim de uma bicicleta. Que escolhem obrigado e por favor como os principais mantras da sua vida. Que olham mais para o coletivo do que para o individual.

Igualmente curiosa eh a repercursao social sobre a capacidade de oratoria destes lideres. Ora, valorizamos grandes oradores. Aqueles que tem o dom de se expressar. E a capacidade de ouvir, aonde fica ? Valorizamos mais a fala do que os ouvidos. Meio batido e antiquado, mas eh verdade a velha maxima dos dois ouvidos para apenas uma boca. Mas como sempre contrariamos a natureza humana: na faculdade, escolhemos o formando orador; cursos de extensao promovem a capacidade da oratoria e por ai vai.

Aprendi que existe muita sabedoria no silencio. Deveriamos criar na sociedade o papel do ouvidor. Numa formatura, teriamos o formando ouvidor com um lugar de destaque ao lado do formando orador. Ele apenas ouviria, mas tambem daria o tom atraves da expressao do seu olhar. Como o baterista, que parece o coadjuvante de uma banda, mas tem o papel fundamental de impor ritmo e velocidade. Se o formado ouvidor levantasse as sobrancelhas, seria hora do orador encerrar o discurso. Teriamos tambem cursos de extensao para tornar-se um bom ouvidor e colocariamos no curriculo na secao de formação complementar. Atendentes de call center ganhariam dobrado se tivessem certificado de conclusao.

O curso se resumiria a intensas aulas de meditacao. O instrutor nao falaria nada, apenas ouviria. Os alunos poderiam perguntar, mas seria em vao. Interprete o silencio, diria o instrutor em pensamento e com uma leve torcida na cabeca. O silencio tambem fala. Quem nunca ouviu o barulho do silencio num ambiente acusticamente neutro ? Pior eh quando nossa mente grita mesmo no silencio absoluto ... As vezes grita mais do que uma torcida em final de fla-flu no maracana. Quem souber onde tem um curso desses, por favor me avise. Confesso que gosto de uma boa prosa e tenho me revelado um bom tagarela. Mas tb exercito na marra a valorizacao do silencio.

Por vezes, tive o privilegio de subir a vista chinesa de bicicleta logo no amanhecer do dia. Parei ao lado da cachoeira e contemplei a visão. De olhos fechados, no inicio ouvi apenas o barulho da agua escorrendo por entre as pedras. Depois, um passarinho pareceu dizer bom dia. O som da cachoeira aumentou gradativamente ate reproduzir o barulho de uma verdadeira tromba d’agua. Abri os olhos. A cachoeira permanecia ali, a mente eh que silenciara. E quando isso acontece, nos conectamos com o divino. Escutamos mais o que esta a nossa volta. Nos permitimos viver o instante presente. Fechei os olhos novamente e uma forte ventania soprou. Reparei que não era um dia qualquer. Vento rajado, quente. Era sopro do vento norte, pre-frontal. Vento que antecede uma frente fria, no hemisfério sul. Daqueles ventos que fazem as portas bater repentinamente. Assusta, mas traz mudança. E que com esta mudança seja possível ouvirmos mais uns aos outros. E enfim, silenciar. Como uma cachoeira. Namaste.

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