segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Feliz Dia Novo



Texto por Dudu Guedes

5h da manha. O primeiro passarinho se levanta com o ceu ainda escuro. Ventania e um pouco de frio, realmente nao parece novembro no Rio de Janeiro. A sinfonia comeca. Mais 3 passarinhos fazendo coro. O primeiro queimou a largada e disparou a cantoria antes do horario habitual. O despertador nem tocou e eles ja levantaram voo.

Impossivel voar e nao cantar, pensei. Como ja dizia a letra, "o ceu de Icaro tem mais poesia do que o de Galileu". Se voce pode tocar as nuvens, por que simplesmente olhar de longe ? Deixemos a luneta de Galileu de lado, e ganhemos asas como o mitologico menino Icaro. Eh melhor voar juntos, ainda que longe do edredon pareca frio.

Abro a varanda e vejo a noite querendo virar dia. Uma luta diaria que mais parece uma crise de identidade. A noite resiste aos primeiros raios de sol e muda de cor. O escuro vira cinza, como um camaleao que tenta fugir da sua presa. Camuflagem quase perfeita. O sol tenta aparecer, mas as nuvens parecem ajudar a noite. Duelo de titas, que nao se ve nem no Premiere Combate.

La vem o sol, desta vez imponente, levanta-se com a forca de um vencedor e reina absoluto sobre a noite. O ceu mesmo nublado ganha cor e nasce um novo dia. Eh o milagre da renovacao. Por que esperar 365 dias para renovar as energias ?

Eh um grande privilegio levantar cedo com os passarinhos e assistir este espetaculo que eh de graca e nunca sai de cartaz. Deveriamos estourar uma champagne todo dia as 5:40 da manha. Tudo bem, custa caro. Mas se nao podemos reunir 1 milhao de pessoas em copacabana diariamente, que pelo menos dentro de cada familia, possamos brindar um novo dia. Seja com cafe, leite ou suco. Cada um da sua maneira, mas todos juntos e conectados. Feliz dia novo. Hoje, amanha e sempre.

domingo, 13 de novembro de 2011

Agua Molhada



"Caiu agua molhada", disse na praia o menininho de 4 anos que passava pela minha frente. De inicio, achei graca e no minimo curioso. Fantasia de crianca, pensei. Depois de um tempo, a expressao tomou nova forma e parecia fazer todo o sentido. Mensagem forte carregada de muita verdade que so poderia vir direto do coracao puro de uma crianca, sem escala nem conexao.

Quantas vezes, temos nossas ideias censuradas com a falsa acusacao de "isto eh redundante". Ainda criancas, no colegio, aprendemos que pleonasmo eh um vicio ou figura de linguagem. Vicio pra mim eh escrever sem liberdade criativa, como um computador programado que conhece bem as nocoes de gramatica mas que passa longe da imaginacao de um artista. Ora, nao sou contra o bom portugues, mas creio que as instituicoes atuais (na sua maioria) transmitem muita informacao, mas poucas traduzem conhecimento e quase nenhuma transforma em sabedoria.

Esta na hora de rever a boa educacao. Seja dentro ou fora de casa, dentro ou fora das salas de aula. Reescrever os contos de fada com historias mais atuais e criar pessoas pensantes. Vivemos na era da informacao. Qualquer coisa esta acessivel na internet e o conhecimento eh fragil como uma bola de arvore de natal. Tudo se transforma. A verdade de hoje nao eh a mesma de amanha, nem a de ontem. Ja se foi o tempo de pendurar diploma na parede. Minhas palavras nao sao contra o ensino, mas a favor da educacao. Defendo o estudo dinamico, coletivo, que integra, faz pensar e sentir.

Deveriamos ensinar nossas criancas a lidar com emocoes. As acoes nada mais sao do que o equilibrio entre razao e emocao. No ocidente chorar eh quase um ato ilicito dentro das familias. Claro que sorrir eh muito melhor. Mas nao deveriamos reprimir as emocoes negativas e sim lidar com elas com a naturalidade de quem sabe que faz parte da vida. So eh possivel deixar ir embora, o que permitimos chegar. Um barco que nunca atracou jamais podera partir. Reprimir a tristeza eh como tapar o sol com uma peneira. Como cultivar uma ferida que jamais cicatriza e criar um cancer que nao precisaria nascer. Que seja possivel chorar e viver a tristeza como uma crianca que prende o dedo na porta. Tempo suficiente para extravasar a dor e pegar o gelo na geladeira. Doi, mas passa rapido porque o choro nao foi contido.

Defendo sim o pleonasmo. O que chamam de redundancia, eu prefiro classificar de sabedoria. Deveriamos relativizar a informacao, de acordo com os olhos do observador. Afinal 10 dolares pode ser muito ou pouco dependendo de onde vc mora. Um carro em movimento pode tambem estar parado se vc estiver dentro dele. Na febre, sentimos frio mesmo no calor. Experimente uma queda numa pista de snowboard e descobrira que gelo tambem queima tanto como um bocal de fogao. Um casal que se ama tem a nocao exata de que a distancia nao afasta, mas aproxima. Agua de chuva pode molhar, mas nao se vc estiver dentro do carro de vidros fechados.

Que me perdoem o Sr. Aurelio e derivacoes, mas nem todo mar eh salgado, nem todo suco eh da fruta e nem todo beijo eh de boca. Nem tudo que sobe eh pra cima e nem tudo que desce eh pra baixo. Nem tudo que esta longe, esta distante. Nem toda metade eh igual. E nem toda agua eh molhada.

(Em tempo: olhe para a foto e veja qual dos tres personagens classificaria a chuva como "agua molhada": a crianca, o homem ou o fotografo dentro do carro ?).

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Maquina do Tempo



Engana-se quem acha que elas nao existem ou sao apenas enredo de filme de ficcao. Posso dizer que eu encontrei minha maquina do tempo. E foi por acaso, sem procurar, esbarrei nela em Salvador.

Depois de 4 trocas de hotel em apenas dois dias, fui transferido para um outro na barra. Para quem conhece Salvador, sabera que o local eh bem popular, como se eu estivesse hospedado na lapa no rio de janeiro (eu acho). Sol barra era o nome do novo hotel (novo pra mim). Nao me soou estranho, mas confesso que parecia um nome bem comum.

No inicio, fiquei incomodado com os contra-tempos gerados pela agencia de turismo que cuida dos agendamentos da empresa. Foram alguns erros em serie que me fizeram quase uma peregrinacao de hotel para hotel.

Tudo bem, meu rei, vc esta na Bahia, sorria. Mas as vezes eh dificil relaxar. Principalmente quando da tudo errado, e vc esta cansando de uma viagem de mais de 4 horas se somarmos os atrasos. Saio do trabalho e procuro um taxi. Ponto vazio e pra variar chuva. Chuva na Bahia ha 3 dias e quase em pleno verao realmente nao parece boa sorte.

Na minha frente, o cheiro de acaraje e o sorriso da baiana vestida em trajes tipicos soam como um convite a usufruir daquele momento. Saio debaixo da marquise e me permito sentir a chuva. Nada mal. Molhar-se na chuva da Bahia eh como banhar-se com sabonete de sal grosso, imaginei. Lava a alma. Ou no minimo, molha a roupa.

Entro no taxi. Primeiro destino eh recuperar minha bagagem no ultimo hotel. O taxista nao sabe o caminho. Tudo bem, me refresquei na chuva baiana e os orixas vao me guiar. Sera ? 5 minutos e nada. Desco do taxi e apanho outro. Este conhecia o caminho. Malas recuperadas, sigo para o outro hotel. Sol Barra, la vou eu. Apesar de bem localizado, nao era dos mais pertos do trabalho. "Ah, eh la no farol", disse o taxista. De inicio achei que ele estivesse cantando uma musica de axe, depois entendi que se referia ao farol da barra. Mais um pouco e era capaz de eu encontrar a famosa Mila das cancoes de carnaval. Ok, sem devaneios, seguimos em frente.

Finalmente chega. Sol barra, o letreiro e desenho de um sol na fachada pareciam familiares. Olho pra dentro e confirmo. Bingo. Era o hotel que eu estivera em 1987 com meus pais e minhas irmas. Tinha apenas 10 anos, mas eh incrivel como parecia um registro de ontem guardado recente em minha memoria. O elevador no meio, na esquerda uma sala de TV e a piscina, na direita o restaurante. A chegada em uma rotatoria, margeando um jardim. Na frente, uma pracinha com uma drogaria e umas lojas de artesanato.

Entro no quarto e lembro de um frango de padaria que almocamos na ocasiao. Incrivel. Parece que nada mudou. Com excecao dos 2 computadores para hospedes na recepcao. Naquela epoca, nao existia internet, nem se sonhava com ipad. Bom, se considerarmos que nao existe wifi nos quartos, ate que realmente nao mudou quase nada.

Desco para dar uma volta e comer alguma coisa. Entro num restaurante a beira mar, bem simples. Eh isso que eu quero. Gente de carne e osso. "Tudo bem ?" , pergunta o garcom. "Tudo otimo", respondo, sem ele saber que eu me teletransportara para la. Peguei minha maquina do tempo e viajei 24 anos. Me sentia como o Macfly no De Volta para o Futuro.

Ao redor, chega um homem rastafari. Nada contra a tribo, mas esse ai nao estava nada puro. O gerente do restaurante afasta o sujeito. Engracado como em viagens temos olhos de aprendizes e somos muito mais tolerantes ao ambiente. Talvez porque nos colocamos na posicao de observadores. Ora, como se no dia a dia tambem nao fossemos mero viajantes desta nave-mae. Obrigado Deus por me permitir enxergar mais este aprendizado.

A comida felizmente demora. Tempo suficiente para eu apreciar a boa coletanea de musicas que tocava. "E meu coracao embora tente fazer mil viagens, fica batendo parado naquela estacao". Verdade.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre Patuás e Orixás


Texto por Dudu Guedes

Dia de finados. Seria diferente se não chovesse. Pelo visto, São Pedro é mesmo rigoroso com a data. Mesmo em Salvador, terra do axé e dos orixás, ele não deu trégua.

No pelourinho, procurei abrigo em uma loja enquanto um homem de uns quase 60 anos retirava apressado os quadros expostos na janela. Big era seu apelido, não entendi ao certo o porquê. Ele era baixo e magro, mas talvez fosse a sua grandeza de espiríto. A chuva aumentava. Depois de uns 15 minutos, ele resolveu quebrar o gelo e disse: "ei rapaz, venha cá, vc não quer me perguntar alguma coisa ?" Apenas elogiei os quadros e lhe sorri.

Em particular, dois deles me chamaram a atenção, pela pintura em perspectiva e efeito de luz, além do detalhe e sofisticação dos traços. Parecia mais uma foto artística do que uma pintura. Foi só o início de uma prosa boa e descontraída. Uma aula de cultura e história ao ar livre. Big mostrou fotos de personalidades ao seu lado, um autógrafo do Michael Jackson e contou varios "causos". Disse que assistiu um "woodstock" dos negros que eu nem sabia que tinha existido.

Se os paulistas usam "então" para pontuar uma frase e os cariocas falam "olha só", na Bahia é diferente: aqui se diz "venha cá, venha". Funciona como uma interjeição de aproximação, a expressão máxima que traduz toda a hospitalidade do baiano. Um povo porreta, simples e que olha no olho quando fala. Na Bahia, parece que o relógio parou. Não pela suposta e falsa idéia de lentidão do baiano, mas pelo clima de poesia no ar. Parece que a todo momento iremos encontrar Jorge Amado andando por aí ou Dorival Caymme cantando "saudade de itapuã". Quem dera e fosse possível.

Existe uma injusta associação de preguiça a um povo realmente trabalhador. Sim, gente que rala tanto ou mais do que os aristocratas de São Paulo mas que ao mesmo tempo sabe sorrir, viver a vida e ainda encontra tempo para dizer um bom dia. Daqueles "bom dia" genuínos que vêm de dentro pra fora, como num vôo direto do coração para os ouvidos, sem conexão ou escala.

Em outra loja, comprei uma camisa de São Jorge e ganhei uma fita de Senhor do Bonfim, além de um sabonete de sal grosso e um patuá. Na Bahia, orixá é coisa séria. Na despedida, aqui as pessoas não te falam "obrigado e volte sempre", mas te desejam "muito axé". Não existe uma única palavra que traduza esta expressão, mas certamente é uma mistura de "proteção, boas energias, saúde, amor, paz e alegria". É como o nirvana baiano, o ápice da plenitudade da realização e do bem-viver. O axé está para a Bahia assim como o aloha esta para o Havaí.

E para fechar minha experiência baiana, ao entrar no taxi, fui logo advertido pelo motorista: "atenção, aqui é o carro da alegria". Sacou um violão e começou a tocar "metamorfose ambulante" enquanto dirigia ... Ele disse que isso alegrava o dia dele e dos passageiros. Verdade. No mínimo curioso e inusitado.

Eu entrei na loja para comprar um quadro, acabei reconhecendo um novo amigo e levei junto sua energia boa. A Bahia é assim mesmo: internacional, patrimônio histórico e cultural da humanidade e deve ser muito respeitada ! E é bom nao duvidar. Axé.