quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sobre Patuás e Orixás


Texto por Dudu Guedes

Dia de finados. Seria diferente se não chovesse. Pelo visto, São Pedro é mesmo rigoroso com a data. Mesmo em Salvador, terra do axé e dos orixás, ele não deu trégua.

No pelourinho, procurei abrigo em uma loja enquanto um homem de uns quase 60 anos retirava apressado os quadros expostos na janela. Big era seu apelido, não entendi ao certo o porquê. Ele era baixo e magro, mas talvez fosse a sua grandeza de espiríto. A chuva aumentava. Depois de uns 15 minutos, ele resolveu quebrar o gelo e disse: "ei rapaz, venha cá, vc não quer me perguntar alguma coisa ?" Apenas elogiei os quadros e lhe sorri.

Em particular, dois deles me chamaram a atenção, pela pintura em perspectiva e efeito de luz, além do detalhe e sofisticação dos traços. Parecia mais uma foto artística do que uma pintura. Foi só o início de uma prosa boa e descontraída. Uma aula de cultura e história ao ar livre. Big mostrou fotos de personalidades ao seu lado, um autógrafo do Michael Jackson e contou varios "causos". Disse que assistiu um "woodstock" dos negros que eu nem sabia que tinha existido.

Se os paulistas usam "então" para pontuar uma frase e os cariocas falam "olha só", na Bahia é diferente: aqui se diz "venha cá, venha". Funciona como uma interjeição de aproximação, a expressão máxima que traduz toda a hospitalidade do baiano. Um povo porreta, simples e que olha no olho quando fala. Na Bahia, parece que o relógio parou. Não pela suposta e falsa idéia de lentidão do baiano, mas pelo clima de poesia no ar. Parece que a todo momento iremos encontrar Jorge Amado andando por aí ou Dorival Caymme cantando "saudade de itapuã". Quem dera e fosse possível.

Existe uma injusta associação de preguiça a um povo realmente trabalhador. Sim, gente que rala tanto ou mais do que os aristocratas de São Paulo mas que ao mesmo tempo sabe sorrir, viver a vida e ainda encontra tempo para dizer um bom dia. Daqueles "bom dia" genuínos que vêm de dentro pra fora, como num vôo direto do coração para os ouvidos, sem conexão ou escala.

Em outra loja, comprei uma camisa de São Jorge e ganhei uma fita de Senhor do Bonfim, além de um sabonete de sal grosso e um patuá. Na Bahia, orixá é coisa séria. Na despedida, aqui as pessoas não te falam "obrigado e volte sempre", mas te desejam "muito axé". Não existe uma única palavra que traduza esta expressão, mas certamente é uma mistura de "proteção, boas energias, saúde, amor, paz e alegria". É como o nirvana baiano, o ápice da plenitudade da realização e do bem-viver. O axé está para a Bahia assim como o aloha esta para o Havaí.

E para fechar minha experiência baiana, ao entrar no taxi, fui logo advertido pelo motorista: "atenção, aqui é o carro da alegria". Sacou um violão e começou a tocar "metamorfose ambulante" enquanto dirigia ... Ele disse que isso alegrava o dia dele e dos passageiros. Verdade. No mínimo curioso e inusitado.

Eu entrei na loja para comprar um quadro, acabei reconhecendo um novo amigo e levei junto sua energia boa. A Bahia é assim mesmo: internacional, patrimônio histórico e cultural da humanidade e deve ser muito respeitada ! E é bom nao duvidar. Axé.

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