segunda-feira, 20 de junho de 2011

O dia da Verdade







Texto by Dudu Guedes

O calendario ocidental eh repleto de feriados. Desde santos ate familiares, tudo eh um pretexto para vender mais. Dia das Maes, Natal, Santo Antonio e por ai vai. Claro que eh sempre bom quebrar a rotina. Eh como fazer uma pausa forcada e abandonar por um segundo a estrada longa para entrar na rua de terra a direita. "Cachoeira adiante", dizia a placa. Vamos refrescar as mentes ocupadas e renovar as energias. Tudo bem, no inverno eh mais dificil, mas feche os olhos e de um passo adiante. Deixe a agua gelada correr pelo corpo ate esquentar a pele.

Saio da cachoeira da minha imaginacao e volto para o escritorio do quarto. Longe dos sonhos e mais perto das obrigacoes mundanas. Armadilhas materiais que criamos no calabouco do nosso inconsciente. Lembro de reunioes, emails. Esqueco. Relembro de novo. Pela janela, o Cristo parece sorrir e dizer: eu sei do que vc ta falando ... Ligo a televisao para esconder um pouco tamanha loucura. Mas o Cristo continua la. Olhando e abencoando do alto do morro. Desta vez, ele parece dizer: calma, chegara o dia da verdade.

Dia da verdade. Se eu fosse prefeito de uma cidade certamente instituiria este feriado. Um feriado onde nao seria possivel mentir, omitir ou esconder. Claro que isso deveria ser uma pratica diaria, mas por vezes alguns papeis nos forcam a ser mais politicos ou comedidos. Lembro da aula de portugues, onde a explicacao de eufemismo era "suaviza expressao chocante". Mais importante do que descrever o eufemismo era a traducao do que seria uma "expressao chocante". A professora explicou que as vezes falar a verdade eh uma "expressao chocante". Ao inves de dizer "vc engordou", deveriamos falar "vc deve estar acima do peso ideal". Estranho nao ? Deve ser mesmo importante esse tal de eufemismo, pensei.

Entendo que nao devemos exagerar na dose, mas ao mesmo tempo eh muito perigoso preservar o mundo de uma realidade tao evidente. Imagino um medico descrevendo a receita num prontuario repleto de eufemismos. Ao inves de anotar "pneumonia", ele escreveria "pulmoes com provavel acumulo de agua comprometendo a eficiencia respiratoria". Facil de entender, nao ?

Percebi que esse tal de eufemismo deixou muitas herancas. Redes sociais como facebook ou orkut quase nao registram o relato de duvidas ou tristezas. Eh como se fossemos seres amaveis, felizes e admiraveis 24 horas por dia e 7 dias na semana. Raros sao os que contam em publico seus medos e problemas. Poucos entendem que demonstrar suas fraquezas tb eh sinal de fortaleza. O contrario tb eh verdadeiro: expor somente as fortalezas demonstra grande inseguranca.

Pois bem, voltemos ao feriado. Por um dia, exercitaremos nossa identidade mais pura e vamos desnudar nossas crencas. Nada de eufemismos. Vamos cultivar a hiperbole e forca dos nossos pensamentos. Admiro pessoas intensas que falam o que pensam assumindo todos os riscos que isto possa implicar. Pertubador as vezes, mas representa autenticidade latente e em extincao. Fomos criados para fugir da criptonita, mas esqueceram de dizer que o superman nao existe sem ela. Ironia da natureza, o antidoto sempre eh feito do proprio veneno.

O dia da verdade seria no meio do ano. La por julho ou agosto. Como forma de forcar o breve suspiro entre um semestre e outro. Dia de reflexao dos nossos objetivos, de acertar o ponteiro dos relogios, ou redefinir metas. Nada de fugir da balanca, de evitar uma dura conversa com o pai ou esconder um amor platonico. Este dia carregaria o pretexto ideal para passar a limpo uma frase mal escrita. Como diz a poeta, aproveite para "recriar o refrao".

Nem so de flores viveria o dia da verdade. Seria um feriado de um dia, mas capaz de trazer desdobramentos de anos e anos. Se usado de maneira errada, teria o efeito de uma bomba atomica: um segundo de queda e anos para reconstruir a historia. Engracado eh celebramos o dia da mentira. Se bem que existe algo verdadeiro em descobrirmos nossa propria mentira. Nada de levar guarda-chuva em dia de sol. Uma reuniao de trabalho em pleno dia da verdade certamente teria um coeficiente de maior tensao. Como um clima de guerra fria que poderia explodir a qualquer momento.

Olhei pela janela. O Cristo continuava de bracos abertos no topo do morro e mais uma vez tinha razao. Enfim, tudo nao passou de uma louca e breve reflexao. Verdade. Mas bem que podia ser mentira.

Obs. Para aqueles q chegaram ate o final do texto, voltem ao inicio e observem as fotos. "O Semeador de Estrelas é uma estátua localizada em Kaunas, Lituânia. Durante o dia passa despercebida. Mas quando a noite chega, a estátua justifica seu nome ... Que possamos sempre ver além daquilo que está diante de nossos olhos, hoje e sempre".

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sobre Anjos e Olhares



Foto e Texto by Dudu Guedes

As vezes encaramos o mundo com um olhar de seriedade. Como se a vida precisasse ter as respostas de cada passo ou movimento. A verdade eh que nao funciona assim. Sejamos mais leves.

Ontem dediquei algum tempo observando uma folha brincando com o vento. Parecia uma brincadeira descompromissada mas ao mesmo tempo tinham ritmo. Uma cumplicidade que parecia revelar os bracos do vento que conduziam a folha para cima e para baixo, em movimentos circulares perfeitos. As vezes no sentido horario, as vezes no anti-horario. Deveria ser sempre assim. Encararmos a vida com olhares de aprendizes, sempre dispostos a perceber a beleza mesmo no caotico movimento das coisas, pensei.

Liguei o radio e tocou Dia Branco, de Geraldo Azevedo. O sinal fechou. Do lado de fora, uma crianca olhava fixamente atraves do vidro do carro vizinho. Dei um tchau e ela me abencou com a pureza de seu sorriso, meio timido mas muito sincero e iluminado. Criancas sao a materializacao dos anjos na terra, pensei. Temos mais a aprender do que ensinar. Agradeci em silencio a Deus por aqueles presentes logo tao cedo ...

Parei no Bibi para tomar um suco. Tres atendentes, ja conhecidos, vieram atender. Carla, Thomas e Ana. Sempre bem humorados, brinquei q iria trabalhar la. Assim tomaria acai de graca e juntaria mais tickets para trocar por camisas.

Perguntei pela Michelle que estava do outro lado do balcao. Ela disse que estava triste, tinha tirado nota baixa na prova de enfermagem. De fato, seus olhos estavam caidos, e seu rosto escondia um sorriso contido. Como um simples "numero" tem o poder de influenciar o humor, pensei. As vezes transferimos a responsabilidade da nossa felicidade para um emprego, namorada ou estudo.

Lembrei da crianca que sorriu para mim no carro ao lado. Num guardanapo escrevi "nota 10 na escola da vida". Paguei a conta e pedi ao Thomas para entregar a ela. Pelo vidro do carro, acompanhei a entrega do presente. Finalmente ela sorriu.

O Sol das Tempestades





Texto by Dudu Guedes

Recentemente li um texto que contava a historia de um jardineiro diferente. Ele dizia que regar as arvores eram mimos ingenuos. Que criavam plantas viciadas em serem paparicadas. Que ao inves disso, deveriamos deixa-las expostas ao vento gelado. Que a privacao da fartura das aguas faceis faria nascer raizes mais profundas para buscar mais umidade subterranea. Isto eliminaria os galhos mais fracos e deixaria apenas os mais fortes. Bela historia que naturalmente faz pensar.

O ser humano, em especial no ocidente, eh avesso a dor. Associa a dor como forma de sofrimento. Por isso, evita e resiste a certos sentimentos. Mas um sabio ditado diz: deixe vir e deixe ir. Tudo na vida eh assim. Se resistimos, estamos alimentando a fogueira do desejo ou medo inconsciente. Este eh o principio da impermanencia do nosso mundo. Nada nos pertence. Criamos obstaculos ilusorios que so existem na fantasia das nossas mentes. Uma pedra no caminho pode significar uma barreira ou um simples desvio. Depende da perspectiva de quem enxerga.

Nossas oracoes nao deveriam ser contra os problemas, mas sim pela sabedoria em aceita-los, entende-los e supera-los. De preferencia com bom humor. Sejamos mais tolerantes com a realidade que o universo nos expoe. Nao adianta reclamar do peso que se leva nos ombros, afinal tudo tem uma explicacao para ser ou estar. Apenas deveriamos desejar ombros mais largos e fortes. Parece facil, pelo menos na teoria.

Entretanto, ao inves disso, vemos pais que isolam os filhos dos problemas do mundo. Criam uma realidade paralela que mantem o cordao umbilical como uma corrente que aprisiona e nao mais alimenta. Vira uma dependencia emocional que impede as raizes de crescerem fortes e saudaveis.

Nada disso. Sejamos fortes o suficientes para tirar a rodinha da bicicleta. So eh possivel andar sozinho depois de cair. Alguns tombos sao como o passaporte do nosso crescimento. Criam a casca necessaria para a libertacao. Assim como na medicina, a imunidade nao vem sem a companhia da dor, como uma vacina que injeta doses de virus para criar anticorpos necessarios ao corpo.

Segundo o conceito de ying e yang, a contrariedade do mundo nao cria uma forca de isolamento, mas traz implicita a uniao que raros olhos conseguem enxergar. O frio que nao existiria sem o calor e a noite que nao viveria sem o dia.
Assim como a calmaria so existe por causa da tempestade, naturalmente entenderemos que a dor sempre antecede ao alivio. Eh quase impossivel uma arvore trazer frutos fortes e maduros sem ter suas raizes profundas, sinal de condicoes severas que o tempo impos.

No ultimo domingo, uma forte tempestade estacionou no Rio de Janeiro trazendo chuva, frio e ondas de ate 4 metros. A forte agitacao do mar e vento gelado expos tambem a solidao das ruas. A cidade maravilhosa parecia mais o cenario de um filme de faroeste. Com excecao de alguns garis que gentilmente varriam no calcadao a areia trazida pelo vento, as ruas tinham um ar bucolico, mais pra cidade de serra do que praiana.

Casacos, olhares mais serios, passos apressados criavam uma atmosfera de isolamento que trancavam ate um bom dia em nossas gargantas. Tudo para chegar rapido em casa e esquentar as pernas debaixo do edredon. Imaginei como deveria ser dificil morar em Londres. Ou nao.

Em geral os filmes e livros associam as chuvas ao cenario perfeito de uma historia de terror. Como se bandidos monitorassem a previsao no climatempo. Claro que o frio tambem eh um excelente patrocinador do amor e da uniao, promovendo o encontro de uma familia ao redor de um fondue ou abracos apaixonados de um casal de namorados ao redor de um bom vinho. Mas por que tambem nao podemos ver beleza nas tempestades ?

Com excecao das tragedias, uma tempestade tem la suas vantagens. Renovam o fundo do mar, limpam de novo os ceus e criam um novo recorte da realidade. Fazem enxergar e reconhecer lugares ate entao nao explorados, mudam nossos habitos. Nosso dia passa a ter de novo o relogio do tempo.Tudo bem, ficamos presos no aeroporto ou no transito, mas criamos uma pausa forcada em nossas vidas. Eh como se de novo, o grande arquiteto comandasse o ritmo natural das nossas vidas que trocamos por caros e sofisticados relogios nos pulsos. Resgatamos o que hoje so existe nas cidades do interior que eh desfrutar do tempo segundo o relogio do sol ou da lua, ou viver segundo a tabua das mares. Eh quando tiramos do armario capas de chuva ou casacos quase aposentados, nos tornamos mais solidarios em compartilhar caronas ou fazemos aquela visita que a tempos estamos adiando ... Sem falar no espetaculo das ondas batendo nas pedras, sinal de forca e fragilidade, que arrebanha uma plateia de curiosos.

No ultimo domingo, eu e mais 3 amigos decidimos surfar aquela ressaca. Surfar nao. Kitesurfar. Aproveitar o combustivel dos ventos como motor de propulsao das nossas embarcacoes. Acordamos cedo, 9 da manha ja estavamos reunidos de boca aberta com a linha das ondas. O mar estava tao grande que era possivel ver a ondas limpando a ilha a 2 km de distancia da praia. Depois de muitos comentarios, ficamos em silencio como sinal de respeito aquele dia especial.

Velejamos num secret point que nao convem dar muito detalhes, com direito a escambo com uma tribo indigena. Isto mesmo, encontramos indios e cheguei a negociar com o paje um barco a remo para resgatar o amigo a deriva no mar ...

Tudo certo. Por fim veio o sol. O ceu encoberto finalmente lancou alguns raios por volta das 17h30. Pouco antes do anoitecer o astro-rei saiu de seu esconderijo e apareceu para abencoar o final daquele dia. Somente aqueles que se dispusseram a sair de casa e enfrentar o frio tiveram o privilegio de receber o prahna daquela tarde. Ao contrario da historia das formigas operarias, por que nao podemos ser cigarras felizes no inverno ? Toda tempestade sempre esconde por tras de um dia cinza e opaco um sol que quer brilhar. Por isso, antes de enxergar o escuro, mude a perspectiva e certifique-se de que nao esta de olhos fechados.Que os ventos fortes façam nascer raizes mais profundas e que venham mais ressacas para renovar o fundo dos mares. Namaste.