sexta-feira, 3 de junho de 2011

O Sol das Tempestades





Texto by Dudu Guedes

Recentemente li um texto que contava a historia de um jardineiro diferente. Ele dizia que regar as arvores eram mimos ingenuos. Que criavam plantas viciadas em serem paparicadas. Que ao inves disso, deveriamos deixa-las expostas ao vento gelado. Que a privacao da fartura das aguas faceis faria nascer raizes mais profundas para buscar mais umidade subterranea. Isto eliminaria os galhos mais fracos e deixaria apenas os mais fortes. Bela historia que naturalmente faz pensar.

O ser humano, em especial no ocidente, eh avesso a dor. Associa a dor como forma de sofrimento. Por isso, evita e resiste a certos sentimentos. Mas um sabio ditado diz: deixe vir e deixe ir. Tudo na vida eh assim. Se resistimos, estamos alimentando a fogueira do desejo ou medo inconsciente. Este eh o principio da impermanencia do nosso mundo. Nada nos pertence. Criamos obstaculos ilusorios que so existem na fantasia das nossas mentes. Uma pedra no caminho pode significar uma barreira ou um simples desvio. Depende da perspectiva de quem enxerga.

Nossas oracoes nao deveriam ser contra os problemas, mas sim pela sabedoria em aceita-los, entende-los e supera-los. De preferencia com bom humor. Sejamos mais tolerantes com a realidade que o universo nos expoe. Nao adianta reclamar do peso que se leva nos ombros, afinal tudo tem uma explicacao para ser ou estar. Apenas deveriamos desejar ombros mais largos e fortes. Parece facil, pelo menos na teoria.

Entretanto, ao inves disso, vemos pais que isolam os filhos dos problemas do mundo. Criam uma realidade paralela que mantem o cordao umbilical como uma corrente que aprisiona e nao mais alimenta. Vira uma dependencia emocional que impede as raizes de crescerem fortes e saudaveis.

Nada disso. Sejamos fortes o suficientes para tirar a rodinha da bicicleta. So eh possivel andar sozinho depois de cair. Alguns tombos sao como o passaporte do nosso crescimento. Criam a casca necessaria para a libertacao. Assim como na medicina, a imunidade nao vem sem a companhia da dor, como uma vacina que injeta doses de virus para criar anticorpos necessarios ao corpo.

Segundo o conceito de ying e yang, a contrariedade do mundo nao cria uma forca de isolamento, mas traz implicita a uniao que raros olhos conseguem enxergar. O frio que nao existiria sem o calor e a noite que nao viveria sem o dia.
Assim como a calmaria so existe por causa da tempestade, naturalmente entenderemos que a dor sempre antecede ao alivio. Eh quase impossivel uma arvore trazer frutos fortes e maduros sem ter suas raizes profundas, sinal de condicoes severas que o tempo impos.

No ultimo domingo, uma forte tempestade estacionou no Rio de Janeiro trazendo chuva, frio e ondas de ate 4 metros. A forte agitacao do mar e vento gelado expos tambem a solidao das ruas. A cidade maravilhosa parecia mais o cenario de um filme de faroeste. Com excecao de alguns garis que gentilmente varriam no calcadao a areia trazida pelo vento, as ruas tinham um ar bucolico, mais pra cidade de serra do que praiana.

Casacos, olhares mais serios, passos apressados criavam uma atmosfera de isolamento que trancavam ate um bom dia em nossas gargantas. Tudo para chegar rapido em casa e esquentar as pernas debaixo do edredon. Imaginei como deveria ser dificil morar em Londres. Ou nao.

Em geral os filmes e livros associam as chuvas ao cenario perfeito de uma historia de terror. Como se bandidos monitorassem a previsao no climatempo. Claro que o frio tambem eh um excelente patrocinador do amor e da uniao, promovendo o encontro de uma familia ao redor de um fondue ou abracos apaixonados de um casal de namorados ao redor de um bom vinho. Mas por que tambem nao podemos ver beleza nas tempestades ?

Com excecao das tragedias, uma tempestade tem la suas vantagens. Renovam o fundo do mar, limpam de novo os ceus e criam um novo recorte da realidade. Fazem enxergar e reconhecer lugares ate entao nao explorados, mudam nossos habitos. Nosso dia passa a ter de novo o relogio do tempo.Tudo bem, ficamos presos no aeroporto ou no transito, mas criamos uma pausa forcada em nossas vidas. Eh como se de novo, o grande arquiteto comandasse o ritmo natural das nossas vidas que trocamos por caros e sofisticados relogios nos pulsos. Resgatamos o que hoje so existe nas cidades do interior que eh desfrutar do tempo segundo o relogio do sol ou da lua, ou viver segundo a tabua das mares. Eh quando tiramos do armario capas de chuva ou casacos quase aposentados, nos tornamos mais solidarios em compartilhar caronas ou fazemos aquela visita que a tempos estamos adiando ... Sem falar no espetaculo das ondas batendo nas pedras, sinal de forca e fragilidade, que arrebanha uma plateia de curiosos.

No ultimo domingo, eu e mais 3 amigos decidimos surfar aquela ressaca. Surfar nao. Kitesurfar. Aproveitar o combustivel dos ventos como motor de propulsao das nossas embarcacoes. Acordamos cedo, 9 da manha ja estavamos reunidos de boca aberta com a linha das ondas. O mar estava tao grande que era possivel ver a ondas limpando a ilha a 2 km de distancia da praia. Depois de muitos comentarios, ficamos em silencio como sinal de respeito aquele dia especial.

Velejamos num secret point que nao convem dar muito detalhes, com direito a escambo com uma tribo indigena. Isto mesmo, encontramos indios e cheguei a negociar com o paje um barco a remo para resgatar o amigo a deriva no mar ...

Tudo certo. Por fim veio o sol. O ceu encoberto finalmente lancou alguns raios por volta das 17h30. Pouco antes do anoitecer o astro-rei saiu de seu esconderijo e apareceu para abencoar o final daquele dia. Somente aqueles que se dispusseram a sair de casa e enfrentar o frio tiveram o privilegio de receber o prahna daquela tarde. Ao contrario da historia das formigas operarias, por que nao podemos ser cigarras felizes no inverno ? Toda tempestade sempre esconde por tras de um dia cinza e opaco um sol que quer brilhar. Por isso, antes de enxergar o escuro, mude a perspectiva e certifique-se de que nao esta de olhos fechados.Que os ventos fortes façam nascer raizes mais profundas e que venham mais ressacas para renovar o fundo dos mares. Namaste.

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