quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sobre Gargalhadas, Paradigmas e Contradições


 

Texto por Dudu Guedes

No filme, o sábio mestre ensinou ao seu discípulo: a mente é como a água, quando fica turbulenta não nos permite enxergar claramente. Mesmo se tratando de um desenho infantil, não deixava de ser um ensinamento útil e raro entre adultos. Talvez devêssemos ver menos Avenida Brasil e mais Kung Fu Panda. Seja como for, contradições são comuns e inerentes ao comportamento humano. Repito humano. Não me lembro de ter visto um cachorro ou mico leão sofrendo por escolhas. Mentira. Certa ocasião, o rocky ficou em dúvida se me acompanhava até a porta ou se insistia na tentativa de conseguir um pouco da comida da minha irmã. Talvez porque ele sempre tenha sido tratado como um membro da família. Meio beagle, meio humano. A dúvida durou pouco. Em alguns segundos, rocky optou pela comida da minha irmã. Tudo bem, afinal ele é um cachorro e age de acordo com seus instintos.

Mas quantos de nos agimos de acordo com os próprios instintos? Impulsos ou respostas automáticas que geram um comportamento repetitivo nem sempre desejado. Deveríamos escolher com a cabeça e agir com o coração. Mas muitas vezes, elegemos com a emoção e justificamos através da razão. Muito perigoso. Sintoma dos tempos modernos de uma sociedade que sofre de ansiedade. Não é fácil. Que atire a primeira pedra quem nunca sofreu desse mal. Redbull, Mate-Leão, Coca-Cola, café ou suco, qual delas você escolhe? Bebida para nos manter acordados a todo o momento. Acordados ou adormecidos dentro de um transe coletivo? Às vezes, parecemos bem longe da real e plena consciência.

Cena 1 - Sobre Contradições

Há quase duas semanas atrás, acordo assustado. Uma pessoa gritando parecia estar dentro da minha casa. Era o vizinho de porta. Corro ate a sala e o encontro na varanda do lado. Ele gritava às 7 horas da manhã. "Para de fazer barulho", reivindicava aos berros, a alguém da rua. Sem muito entender ou acreditar na situação, esfrego os olhos. Sim, é mesmo real. Mas que grande contradição, pensei. Como alguém pode reivindicar o silêncio e a paz com tantos decibéis nas cordas vocais. No mínimo, incoerente. Aproximo-me: "bom dia". Recebo: "eu não consigo dormir", em alto e bom tom. "Eu também não", lhe devolvo. "Eu estou tentando os fazer pararem, não aguento mais", diz o homem desolado. "Mas você está fazendo ainda mais barulho", tento explicar. Ele aceita e volta para dentro da sua casa, murmurando baixinho não sei o que.

Cena 2 - Sobre Paradigmas

Na empresa, a reunião parecia um teatro bem orquestrado. Tudo bem, coloco minha máscara e entro no palco. De repente, alguém pergunta “o que você acha que ele pensa?”, referindo-se a uma pessoa que não estava presente. E começa uma nova cena onde cada um tenta adivinhar os pensamentos do tal sujeito. Realmente a situação parece bem fora de sentido, sem destino ou faixa de chegada. E é. Um jogo de adivinhação que beira os limite da loucura corporativa. Ou talvez passe dela. Mas como estamos todos bem arrumados, camisa para dentro da calça, cinto combinando com sapato e alguns até de gravata, não tem problema. É como se tivéssemos ganhado um voucher de “altus” permanente no peixe urbano. A propaganda seria: compre agora a camisa do jacaré e ganhe um passe livre para falar qualquer asneira com ar de sabichão. Alias é realmente incrível como bichos bordados na roupa tem o efeito semelhante a um diploma na parede. Elevam automaticamente o dono da vestimenta para uma atmosfera de incontestável raciocínio e intelecto. E não falta criatividade para surgirem novos bichos no tal zoológico da mediocridade. Já vi jacaré, cavalo, passarinho. Quanto maior o espaço que ocupa na camisa e se ainda estiver em alto relevo, parabéns, maior a sua patente. Assim chegarás rapidamente ao cargo de general senior-master-plus do quartel, ganhando admiração e respeito dos outros. Balela. Nada contra as roupas. E confesso que também tenho a tal camisa do jacaré. Mas é incrível como certas convenções sociais são maiores do que o próprio bom senso. A patente não deveria estar acima da sua realização.

Cena 3 – Sobre Gargalhadas

Manhãzinha do feriado de Nossa senhora da Aparecida, praia da macumba. Palco do surf carioca em época de mar grande, desta vez não foram as ondas que chamaram a atenção. Em pleno dia das crianças, encontrei dois exemplares legítimos desta linda tribo. Corriam pelo meio do chafariz sem medo de molhar a roupa. Alias, corrigindo: a intenção deles era mesmo molhar a roupa, percebi. Uma linda menina de uns quatro anos e aparentemente seu irmão, um pouco mais velho. Os dois pareciam ter descoberto uma fórmula mágica para a alegria. Essa sim tinha de sobra e estampada no rosto. Entre sorrisos e gargalhadas, eles corriam no meio do chafariz, com a roupa já toda encharcada. Vale ressaltar que não era um chafariz de praça, mas sim de uso público e coletivo na beira da praia para limpar os pés ou tirar o sal. Os pais acompanhavam de longe sem interferir na diversão. Deu certo. Aquelas duas crianças jamais esquecerão este dia. Nem eu. Confesso que tive vontade de me juntar a elas. Mas depois pensei que já estaria bem grandinho para a cena, que ficaria com a roupa molhada para ir embora e tantos outros etcs. Tolices da idade.

Quanto vale um sorriso, pensei. Se houvesse uma loja que vende sorrisos, quanto estaríamos dispostos a pagar? Tudo bem, às vezes tentamos encontrá-los em filmes de comédia ou peças de improviso. Vale a pena. Mas não me refiro a estas hiperbólicas gargalhadas circunstanciais e sim àquela risada genuína, que vem de dentro, com sabor de viver a vida. Rir de graça, pelo simples fato da própria existência.

Admiro aquelas pessoas que sabem não levar a vida a sério demais, exercitam a leveza da compreensão de que a individualidade é única e cada um carrega seu próprio relógio no pulso. Por que a ansiedade de chegar ao destino final ao invés de aproveitar melhor o caminho?

Algumas pessoas parecem que, ao nascer, ganharam um caderninho com sua lista de obrigações: casar até os 30 anos, ter filhos até os 35, assumir um cargo de gestão de uma grande empresa, passar num concurso público como passaporte da tal estabilidade e por aí vai. Pura vaidade. Como uma profecia que precisa ser cumprida sob o risco de ser derrotado pela própria vida. Os pessimistas advertem, cuidado: Game over, uma nova chance só na próxima reencarnação. Não funciona assim.

Claro, eu concordo que a existência se torna mais saborosa ao lado de um amor. E filhos são sem duvida uma linda forma de perpetuarmos (e entender) a nossa existência. Mas não devemos simplesmente marcar um X nestas etapas. Escolha sempre ser feliz, diria o profeta. Sejamos mais tartarugas do que lebres. Isto não significa que devemos também retardar a hora. Mas simplesmente respeitá-la. "Entrego, confio, aceito e agradeço", sabedoria da yoga transmitida por um amigo.

Vamos abrir as janelas da alma e sintonizar nossa estação com a frequência do universo. Deixar um pouco a força do imponderável atuar, sem abandonar o papel de protagonistas. Deixe a gravata no armário e experimente usar o chinelo. Pendure no cabide a obrigação de cumprir qualquer coisa e assuma de uma vez a responsabilidade de ser feliz. Andar com fé eu vou, porque essa sim não costuma falhar, dizia ele. O mundo realmente tem paradigmas e contradições, mas se souber olhar, vai achar aquelas verdadeiras e genuínas gargalhadas. Acredite e boa sorte.

3 comentários:

  1. Edu adorei o texto!
    Rasguei o caderninho e cada dia mais me esforço para colocar em prática o "entrego, confio, aceito e agradeço". Acho que nunca estive tão perto da minha essência! : )
    Abração!

    ResponderExcluir
  2. Adorei tb Duduzinho!
    Nós fomos programados para sermos felizes e para isso, não precisamos correr feito lebres e queimarmos etapas, basta que assumamos a responsabilidade de sermos felizes.
    Bj

    ResponderExcluir
  3. Que leveza se pode sentir depois de ler o seu texto!!
    Que caderninho que nada...O lance é exercitar o desapego, a distância aos rótulos, aos dogmas, a tudo o que não nos permite exercitar a liberdade de pensar. Colocar os pés em terra molhada, deitar na rede, sentir o vento no rosto e a mãe natureza "dizer" ao pé dos nossos ouvidos: "Apenas por hoje, não se preocupe".

    ResponderExcluir