quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Beleza Escondida


Texto por Dudu Guedes

"Viajar de primeira classe não torna alguém de primeira classe", dizia a moça no filme. E lá estava ela. Com um jeito meio desengonçado, mas ainda assim cheia de charme. Dessas pessoas cuja beleza não se mede pela perfeição da forma, mas sim pelos decibeis da gargalhada. Marca de uma mulher de personalidade forte, mas que não perde a fragilidade de menina. Genuína na dimensão do amor e despretensiosa na expressão do amar. Que revela as fraquezas da alma como parte da sua fortaleza e não esconde a verdade na pureza de um sorriso. Que ainda não conheceu o mundo, mas nunca desprezou o mundo a sua volta.

Prefiro pessoas espontâneas de coração do que inteligentes na razão. As vezes são impulsivas e nem sempre razoáveis no pedido, exageram na forma ou no conteúdo. Gritam, choram, reclamam e em 5 minutos fica tudo bem. Nada de bipolarismo. É porque agem segundo a verdade do lado esquerdo do peito. Atitude sincronizada com as batidas do coração. Sem metáforas. Me refiro ao músculo coração. E como todo músculo que não se exercita, perde a forma, contrai.

Cada vez mais, tenho certeza de que menos é mais.  Prefiro conversar amenidades do que política. Prefiro arte de rua a Louvre. Chinelo de dedo a sapato engraxado. Poucos amigos a muitos colegas. Brigadeiro de panela a creme brulee (forcei?). Cinema no sofá do que festa de arromba. Menos leg-press e mais celulite. Nunca gostei de mulher manequim. Claro, estar bem cuidada é uma coisa, paranóia já é demais. Sim, o charme está mesmo na beleza escondida, nos segredos revelados em detalhes que só um olhar privilegiado poderia notar. Aquele olhar que, de tão perto, se torna microscópico a olho nu. Nas covinhas da bochecha, na pinta camuflada pela cor da pele ou no jeito de bocejar. Não importa. O que muda é o olhar e não o objeto. Detalhes que o tal Tinder jamais poderia evidenciar. O amor não tem horário e por essência nunca se tornará um catálogo ou cardápio de compras.

Sim. Talvez eu esteja ficando velho. Velho para falta de educação, desrespeito e falta de comprometimento nas causas. Velho para discussões sem vírgula nem declarações de amor sem exclamação. Velho para conversas vazias de bar nem gente fantasiada de semi-Deus. Velho para elevador cheio sem bom dia nem passageiro que não cede a vez. Velho para reuniões de confrontação no trabalho e que não levam a lugar algum.

As vezes, tenho a sensação de que o disco voador estará na outra esquina. Próxima parada: plutão. Puxa a cordinha e vamos descer. A corda, a-corda, acorda! 04:30 da manhã. Desligo o despertador. Hora de levantar. Ainda em estado letárgico entro no taxi como um robô. Não sei exatamente como, mas la estava eu.

Como já disse um sábio amigo, precisamos de emoções verdadeiras. Espontâneas como uma criança incapaz de disfarçar uma gargalhada em hora inadequada ou conter o choro no meio da multidão. As vezes, precisamos apenas desconectar. Submergir 30 metros abaixo do nível do mar, onde ainda não funciona whatsapp. Escutar a própria respiração. Lembrar de que, para estarmos vivos, basta respirar. Longa e profundamente. Pendurar a vestimenta de adulto no armário e simplesmente assumir a postura de observador. Como um viajante que exercita o olhar da aceitação, humildade e gratidão.

La na frente passa uma tartaruga. Pele enrugada, deve ter mais de 200 anos. Movimentos lentos, mas firmes e coordenados. Idade que o tempo ensinou. Ja foi caça e caçador. Mas hoje está somente navegando, flutuando no azul do mar e colorindo o oceano. Camuflada pela vegetação e quase imperceptível, difícil de se notar. Mas a beleza está lá, escondida, privilegiando os olhos de quem ousa se aventurar. A beleza escondida é sempre misteriosa, como um segredo a ser revelado a qualquer momento. Precisa de paciência. Não pode ser evidente, nem tem simetria nas formas, tem de ser descoberta dentro das imperfeições geométricas. E como dizia o poeta, "nenhum aquário é maior do que o mar". Que a vida possa nos presentear com emoções verdadeiras. E que os nossos olhos sempre consigam enxergar a beleza escondida por trás das cortinas do sutil. Amém.

Um comentário:

  1. Lindo... Uma crônica em forma de poema, ou vice-versa, sem métrica, sem o exagero das formas, sem a clausura do "aceitável socialmente"... O livre pensar... O buscar natural

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