segunda-feira, 27 de março de 2017

Carne e Osso



(Texto por Dudu Guedes)

Cada vez mais admiro pessoas simples, de carne e osso. Que não sabem falar ingles mas falam a língua do coração. 

Que preferem a união ao redor de um bom cachorro quente com coca-cola, do que a fartura sofisticada de uma mesa vazia.

Que nem sempre tem curso superior, pos-graduação ou mestrado, mas são verdadeiros PHDs na escola da vida. 

Nunca entendi por que deveríamos chamar advogado de doutor, nem juiz de excelência ou meritíssimo. Meritíssimo para mim é pai e mãe, esses sim tem a patente mais alta da hierarquia e merecem nosso respeito incondicional, por vezes escasso em nossas prateleiras. E isso não significa concordar com todas suas atitudes mas entender que eles fizeram e fazem o melhor dentro das suas possibilidades e historia de vida.

Estar no hospital é um exercício de humildade, seja para o paciente ou mesmo para os acompanhantes. Na verdade, o nome não é por acaso. É preciso paciência, para toda a família.

O hospital não era dos melhores. Construcao antiga, janelas grandes, pé direito alto, ar condicionado barulhento. Confesso que a primeira impressao foi bem ruim. Cheguei com um certo desconforto de quem gostaria de ter oferecido algo melhor a meu pai em sua internação. Minha irma sabiamente tentou me acalmar e me fuzilou com a frase: "aonde está ruim o hospital, dudu?"

Ela tinha razão. Como tudo na vida, não podemos avaliar apenas a casca, devemos olhar além, por detrás das cortinas do sutil. O andar não estava cheio, as enfermeiras eram atenciosas e estavam sempre disponíveis.

A madrugada parecia a rotina de um barco. Cochilos de no máximo 40 minutos interrompidos para trocar a irrigacao da sonda. Tentei me acomodar em vão no sofá duro. 

A enfermeira do segundo turno entrou pelo quarto. Monique era seu nome. "Você lembra um ator de Hollywood..." soltou ela sem titubear. Ele abriu um sorriso, e imediatamente ela continuou: "... aquele que fez o 007". Bingo! Era o que ele precisava ouvir. Nao parecia uma cantada, mas como enfermeira ela tirou nota 11 com louvor. 

Admiro pessoas de alma leve, dessas que parecem caminhar flutuando sobre os próprios pés. Monique sabia que sua responsabilidade era muito maior do que apenas trocar o soro mas principalmente acolher quem estava ali. Fazê-lo se sentir mais especial mesmo diante de uma situação que joga no lixo a vaidade e coloca o paciente no limite da auto-estima. 

Num hospital, não importa o seu carro, endereço, cargo, conta bancária nem escolaridade. Você estará igual a qualquer um: camisola branca, bunda ventilando pra fora, bafo de onça e cabelo despenteado. Sim, sua aparência estará horrível, uma mistura de Fred Krueger com Chewbacca. Mas isso não importa. O que você mais quer é sair correndo dali, olhar novamente o azul do céu e como diz a música "colocar a alma pra secar em Ipanema".Depois de 3 meses, finalmente meu pai retirou a sonda. 

A gente aprende com aquilo que nos envolve e inspira. Meu muito obrigado a meu pai, minha irma e Monique que mesmo sem saber ajudaram a transformar o meu dia com um significado muito maior do que minha lente seria capaz de registrar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário