quinta-feira, 23 de março de 2017

Do Outro Lado



Texto por Dudu Guedes

A vida é como um sopro, dizia o poeta. Um sopro que pode ser longo ou curto. E isso não depende de quantos dias durou a sua vida, mas sim de quanta vida despejou nos seus dias.

Vovó não conseguiu andar até o local do sepultamento do seu irmão e decidiu esperar em um banquinho no meio do caminho. Tudo bem, não importava. Ali, era apenas o ritual de despedida da matéria. A presença de seu irmão estaria imortalizada para sempre nas nossas memórias e corações. 

Muita gente da família reunida por ali. Confesso que senti uma certa incomoda alegria ao reencontrar pessoas especiais que a vida distanciou, e que ironicamente a morte novamente aproximava de alguma forma. Definitivamente, ali não era o melhor lugar. 

Mas o que impressionava não era o fato em si, afinal de contas, tio David era uma homem centenário e forte. O que impressionava ali era a reflexão de que ao nascer, entramos todos em uma fila invisível para o outro lado. Recebemos uma senha sem que sejamos informados sobre o numero exato do nosso bilhete. Poderíamos até tentar estimar, mas seria inútil e em vão. É a única fila em que ninguém quer chegar ao destino final. Quanto mais cheia, melhor. Você não sabe exatamente quem está na sua frente ou atrás. Não importa. E não adianta querer dar a vez ou voltar para o final. A sua senha é pessoal, indecifrável e intransferível. Melhor guardar o bilhete e esquece-lo. Quando o seu número for premiado, de alguma forma, você saberá.

Do outro lado, Rafael e sua esposa recebiam os parabéns. Ela estava grávida e servia como veiculo para o milagre da renovação. Vida e a morte presentes tão perto, ali no mesmo lugar. Ao mesmo lado, a despedida para o novo e desconhecido, em formas diferentes. Do outro, o inicio de uma jornada na vida terrena, palco de sonhos, medo, alegria e frustração. A ambivalência do início e do fim, mas que de certa forma, também é fim e recomeço. O dia de finados não deveria ser usado com o propósito de homenagear os mortos, mas sim de celebrar a vida como a estranha antítese do velho e novo 

Visitamos o túmulo do vovô. Delicadamente, colocamos uma pedrinha em cima do caixão, como se pudéssemos nos aproximar dele. Não precisava. Ele ja estava por perto. Do lado de dentro. Em nossos corações. No caminho de volta, eu e meu primo lembramos de historias da nossa infância e de como sempre fomos crianças felizes por aqui. Sim, vovô também estava por ali se comunicando conosco de alguma forma.

Como diria Mario Quintana, "o problema não é morrer, mas sim deixar de viver". Por isso, levantemos do sofá da vida como meros expectadores. Esvazie os medos, mágoas e frustrações. Encha o peito com amor e alegria e saboreie o dia na sua plenitude, com todas as possibilidades e dores que o mundo te oferece. Coloque as lentes de quem está fazendo uma belíssima viagem de umas longas férias, onde nem tudo sairá como planejado mas ainda assim pode ser maravilhoso. Reinvente-se sempre e permita transformar tudo o que parece pesado demais. Mas o mais importante: ame, perdoe, viva e divirta-se ao longo dessa estrada. Quando chegar a sua hora de descobrir o que existe do outro lado, de alguma forma você também estará imortalizado por aqui.

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