quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O menino do meio-fio


By Dudu Guedes

Ontem parei na padaria ao lado de casa, em Niterói. Era bem cedo, quase 07:30, e ao sair do carro uma cena me chamou a atenção. Um menino de quase 7 anos de idade estava sentado na calçada, com o rosto escondido entre as pernas. Parecia congelado, imóvel, e imaginei que estivesse dormindo.

Refiz o meu ritual matinal. Como um bom carioca, li o globo enquanto tomava um suco de melancia e comia um pão na chapa ... Tudo seria praticamente igual, não fosse a minha surpresa ao retornar para o carro. Lá estava ele. O mesmo menininho, parado na mesma posição, quase 20 minutos depois ... Duas outras crianças chegaram até o carro. Simpáticas e muito educadas, me falaram: "está vendo, ele está aí há dias, disse que veio do Rio". Com um aperto no coração, perguntei pelos pais do menininho. "Ele quase não fala", essa foi a resposta que congelou ainda mais minhas emoções ...

Desci do carro e fui até o menininho. "Acorda", falei suavemente sem obter resposta. "Ei, cade seus pais ?", perguntei. Nenhuma resposta. O corpo estava imóvel. Desta vez, fui mais insistente e com um cafuné tentei lhe acordar. Ele mexeu a cabeça sem muita vontade. Suas canelas estavam machucadas, como se tivesse rolado de algum lugar. As 2 outras crianças tentaram me ajudar. Ofereci leva-lo de volta ao Rio ignorando todos os meus compromissos diurnos. Algumas coisas que acontecem tem prioridade, pensei. E sem dúvida, o direito a vida de uma criança sempre fala mais alto do que qualquer reunião de trabalho. Mesmo que essa reunião fosse com o prefeito. Temos um compromisso individual com as coisas que acontecem a nossa volta. O menino não reagiu, permaneceu imóvel. Confesso que meu coração é meio mole. Ultimamente choro até em comercial de doriana e paredão de big brother. Nem tanto. Mas a verdade é que não consigo simplesmente ignorar uma cena como esta ...

Não consegui em nenhum momento ver claramente o seu rosto. Mas o corpo, magrinho, de pele clara, lembrava meu sobrinho ... Certamente, isso me trazia ainda mais sensibilidade a flor da pele. A atendente dentro da padaria perguntou pelo vidro se ele estava chorando. Disse que ele estava perdido.

Enquanto tentávamos animá-lo e extrair algumas palavras, conversei com as outras 2 crianças. Uma delas, um menino de quase 6 anos, mostrou as marcas de queimadura no braço e disse que um "coleguinha" de rua jogou álcool e fogo nele. Me falou que sua mãe trabalhava para tentar pagar uma cirurgia de reconstrução da pele. R$ 1000 reais o preço. Todos os dias ele ia até o estacionamento da padaria e tentava chegar em casa com R$ 20. Metade ficava para sua mãe e a outra metade para ele. Lhe dei R$ 10 e disse, "pronto, agora vc pode voltar para casa. Mas esse dinheiro é seu". Eu pensei que estivesse lhe ensinando alguma coisa, pura tolice e ingenuidade. Ele sem saber me transmitiu uma sabedoria muito maior. Olhou para seu amigo e me disse: "é nosso, nós sempre dividimos". E olhando para o amigo, deu o dinheiro para a outra criança guardar.

Sem conseguir animar o menininho do meio-fio, peguei mais R$ 20 e deixei na sua mão enquanto ele continuava dormindo. Lhe disse, "pegue, para você voltar para casa", na esperança de arrancar alguma palavra. A outra criança disse: "o senhor tem que jogar um balde de água nele, só assim vai acordar. Mas tem que ser o senhor, senão nós vamos apanhar". E completou: "ele vai usar esse dinheiro para comprar crack".

Mais algumas tentativas de acordá-lo em vão. Felizmente as pessoas do comércio local pareceram sensibilizadas. Alguns outros passavam apressados ignorando um semelhante naquela situação.

Hoje voltei ao local e tentei procurá-lo. Não estava lá. Um aperto no coração. Mentalizei em silêncio e orei em pensamento por ele. Que tenha achado o caminho de casa. Que os anjos digam amém a todas as crianças de rua.

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