sexta-feira, 13 de maio de 2011

Copo de Requeijão ou Taça de Champagne




Texto by Dudu Guedes



Sempre tive medo dos rotulos. Fulano eh dentista. Cicrano eh um excelente advogado. Rotulos sao perigosos, criam uma identidade permanente que gruda na pele e formam raizes profundas. Viram uma verdade incondicional absoluta, independente do tempo ou espaco. Nao importa se vc esta de ferias, dormindo ou viajando. Vc eh e sempre sera o dentista ou excelente advogado. Fico imaginando o peso que uma pessoa publica carrega, seja um musico, participante de um reality-show ou prefeito de uma cidade. Quando vc decide abandonar aquela funcao, nem sempre a funcao decide te abandonar. Os rotulos permanecem mas com uma carga ainda pior: vc passara a ser um ex-BBB, ex-prefeito e por ai vai.


Viramos um objeto.Transformam a gente numa forma estatica, como um ingrediente na prateleira de um supermercado. Como um copo de requeijao cremoso que sempre sera um copo de requeijao, nao importa se no carro, no carrinho de compras ou dentro da geladeira. Nao basta ser um requeijao, tem que ser um Requeijao Cremoso, e com letra maiscula para reforcar a intensidade do rotulo. Alias,repensando e corrigindo: nem mesmo um requeijao eh permanente. Ele pode se transformar num copo de bebida ou num copo de lavar pinceis de um pintor (mais um rotulo, um pintor). Ja vi um requeijao que se transformou num copo de lavar aquelas colheres de pegar sorvete num restaurante a quilo. Pensando bem e parafraseando Raul, um copo de requeijao eh talvez a descricao exata do que eh uma metamorfose ambulante. Nada de ter velhas opinioes formadas sobre tudo.

Algumas pessoas se parecem tanto com um copo de requeijao estatico na prateleira do supermercado, que ja nascem ate com as informacoes complementares: ingredientes, informacao nutricional e mantenha resfriado a menos de 10 graus.

Na autobiografia do tenista Agassi (mais um rotulo, o tenista. A proposito, recomendo a leitura: um pouco perturbadora, mas faz pensar), ele conta como sempre odiou o tenis. Engracado o melhor tenista do mundo confessar isto. Desde crianca, ele foi programado pelo seu pai para se tornar um tenista campeao. Virou um robo, mestre na arte de rebater bolas, mas tambem um ser humano sem identidade e solitario.


Por que ao inves de personificar a funcao, nao materializamos as virtudes individuais ? Ao inves de dizermos o tenista campeao Agassi, falariamos o guerreiro Agassi. Ao inves de rotular como a excelente advogada, simplesmente nao usamos a Amavel Fulana. Outro dia, um grande amigo me convidou para me juntar num grupo de canoa havaiana as 06 da manha. Resolvi arriscar. Chegando la, conheci uma turma alto astral e do bem. Alias, confirmando o que alguem ja me disse, pessoas que acordam cedo em geral sao bem humoradas. Entretanto, me chamou atencao um deles que se dirigiu a mim como o representante da empresa em que trabalho. Ora, nao sou nem representante dos meus pensamentos, o que dira da empresa da qual faco parte, e principalmente as 06 da manha.


Tudo bem, sei que desempenhamos diferentes papeis ao longo do dia.Mas confundimos nossas funcoes com o que realmente somos. Podemos ser engracados, amaveis, ciumentos, mas sempre preferimos ou preferem carimbar o nosso cartao de visitas pessoais com o cargo que ocupamos ou ainda com o tipo fisico individual. Quantas vezes escutamos aquela gordinha, o baixinho, careca, magricela, dentuco, monoselha e tantos outros adjetivos ? Mas poucas vezes falamos e ouvimos, o espiritualizado, a saudavel, o divertido, a companheira ... Temos nomes, mas os nomes hoje ja nao parecem servir. Preferem os rotulos. Pessoalmente, admiro nomes fortes com significados ampliados. Mais rotulos.


Desde criancas, temos rotulos e fazemos piada com isso. Na escola, quem nunca teve um apelido maldoso do qual tinhamos que fingir divertido. Quanto mais incomodados, maior a forca do apelido. Hoje isso tem nome. Criamos uma forma de rotular o proprio rotulo. Chamam de bullying.

Certa vez, ouvi de uma mulher, que uma crianca no colegio tinha o apelido de gordinho. O menino fez dieta e muito exercicio, perdeu todos os quilos extras nas suas ferias. No retorno das aulas, estava empolgado com a possivel reacao dos seus amigos. Nao deu certo. Batizaram-no de esqueleto. Triste e cruel a percepcao infantil-adolescente.


Em outra ocasiao, numa mesa em Sao Paulo, nao conhecia todos a volta. Cada um que chegava se apresentava com um cracha maior. Parecia uma competicao de nomes dificeis. Um deles me estendeu a mao e disse: prazer, sou Antonio, de merge and acquisition do Bank of ... Ja eram 21h e ele ainda vestia aquele papel. Ou aquela fantasia. Socorro, saida pela direita rapidamente. Festa estranha com gente esquisita, eu nao to legal. Arrumei um jeito de pagar a conta e fui embora. Rotulos sao como fantasias. A maioria vive como num baile de mascaras sem fim. Nao tiram a mascara nem para dormir. Deve ser mesmo sufocante.


Deus me livre disso tudo ... Viva a simplicidade e o anonimato. Deve ser muito dificil ser uma taca de champagne. Ainda prefiro ser um copo de requeijao esquecido no canto de um restaurante ...

3 comentários:

  1. Duduzinhoooooooo , você é um escritor nato , meu filho !!!!

    Ixi i i i i i , será q vai dizer que estou te rotulando ? ! ?

    MARAVILHOSA crônica , tema , .......!!!!!

    Você é DEMAIS !!! ( será rótular ? ! )

    bjus desta mãe coruja que te ama muito o o o

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  2. Você é e sempre será o copo de requeijão mais maravilhoso do universo!!!
    Obrigada por existir em minha vida!

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  3. Muito linda demais esta crônica, concordo em gênero, númeo e grau. E me arrisco completar: em casa, na intimidade e felicidade sem ter que provar nada pra ninguém, eu uso mesmo é o bom e velho copinho de requeijão!!

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