segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Presentes Guardados


Texto by Dudu Guedes

Um dia, um certo viajante resolveu guardar os seus supostos pertences. Sem saber que nada realmente lhe pertencia, guardou sapatos, guardou camisas, bermudas, revistas, livros, CDs. Guardou pratos, talheres, xicaras e uma colecao de carrinhos velhas. No banheiro, guardou remedios, escovas, sabao. Uma lista infindavel de coisas que parecia nao terminar. Pensou em doar algumas coisas, mas tambem imaginou que pudesse precisar delas em algum dia. Melhor guardar. Papel velho, papel novo, caixas de sorvete para amontoar outras quinquilharias, caixas de sapato para guardar outras caixas, sacos velhos da Mr.Cats que pareciam mais pano de chao e mais caixas de papelao que nao sabia ao certo pra que ... Passou para a sala e guardou quadros, fotos e mais livros. E por fim, guardou seu amor. Trancou o armario e saiu de casa.

Precisava deixar pra tras suas coisas. O jovem e velho andarilho andou, andou e andou. Parecia mais leve e assim andava depressa. Caminhava rapido sem saber ao certo pra onde nem pra que. Sem destino, sem companhia. Apenas o sabor dos ventos o acompanhava. Sol e chuva, chuva e sol. Andava, andava depressa. Passos rapidos, firmes, mas quase sempre sem rumo. Suas pernas o guiavam para algum lugar.

Andou ate onde nao pudesse mais andar. Sentou-se na escada e parou. Ja tinham se passado 65 anos e decidiu voltar. Andou mais rapido que pudesse. Voltar era necessario, mas naquele instante, nao adiantava correr. Suas pernas nao mais lhe obedeciam e tropecava entre os proprios tropecos. Sem pedir ajuda, lhe ajudaram a se levantar. Tinha a mente de um adolescente, mas o corpo de um velho moribundo. Os ossos pareciam nao caber no proprio corpo. O corpo movia-se devagar, mas a mente movia-se depressa. Assincronia perfeita do caos.

Desta vez, nao andava depressa, nao porque nao gostaria, mas simplesmente porque nao conseguia ... Mas sabia muito bem aonde queria chegar. Ironia da vida. Enquanto corria nao tinha um destino, mas agora conhecia o seu rumo final. Porem, suas pernas fraquejavam ... Seu corpo nao lhe obedecia. Os movimentos eram lentos, pareciam querer frea-lo. Deu 3 passos e caiu. No comeco, sentiu frio, fome e depois calor. Sua vista nao parecia enxergar a realidade, ou a realidade que nao enxergava sua vista. Nao sabia. Mas estava paralisado. Chorou sem conseguir chorar.

Tentou se levantar, mas nao sabia. Tentou gritar e nao conseguia. Tentou dormir, mas nao podia. Estava inerte a situacao em que ele proprio criara. Talvez tenha chegado ao seu destino final, pensou. Esqueceu seu nome, seu endereco. Deixou que o tempo se encarregasse de tira-lo dai. Apenas respirou ou pensou respirar. O mundo nao mais lhe enxergava. Adormeceu num sono profundo. Sem saber nem onde, nem como, caminhou por entre as nuvens. Foi quando sentiu uma mao lhe tocar o ombro. E meio que sem reconhecer o rosto, lhe disse "filho". E lhe abracou. Sem saber direito o que se passava, perguntou pelas suas coisas, pela sua casa. E o velho sabio lhe disse: aqui esta tudo o que precisa e lhe entregou uma chave. No mesmo instante avistou o seu armario e correu para abri-lo. Um armario velho, com porta emperrada, teve dificuldade para abrir. Nao tinha mais livros, nem CDs. Nao tinha camisas ou bermudas. Nao tinha nada, apenas o po. Procurou, procurou e parecia querer encontrar mais alguma coisa. Mas nem seu amor achou. Apenas alguma paginas velhas, mas o tempo se encarregou de apagar o que tivesse escrito ali.

Chorou e desta vez as lagrimas pareceram extravasar um choro ha muito contido. Parecia uma crianca no colo do pai. Perdeu a fe, perdeu o chao. Perdeu o que nao tinha, mas que acreditava lhe pertencer. E de longe, viu um sorriso. Um rosto com rugas que nao escondia a idade. Uma senhora que parecia lhe sorrir. Sorriu mais e mais e aos poucos lhe parecia mais familiar. Correu e lhe abracou. Era seu amor. Envelhecido com o tempo, mas que ainda lhe sorria. O amor verdadeiro percorre montanhas. Resiste ao fogo, ao tempo e a varias vidas. Mas nao pode ser guardado ou trancado no armario. Levamos dentro de nos mesmo sem saber. Essa eh a historia de um homem que nunca deixou de amar, mesmo longe de seu amor. O amar existe sem que haja o amor, mas o amor so existe quando ha o amar.

"A Preocupação olha em volta, a Tristeza olha para trás, a Fé olha para cima"

Nenhum comentário:

Postar um comentário