sábado, 1 de agosto de 2009

Voando de terno e gravata para o trabalho ...

"A aventura pode ser louca, mas o aventureiro jamais"


16 de outubro de 2006. No caminho da casa para o trabalho por volta de 08:30 da manhã, já dava para perceber que era um dia especial. Logo cedo, o céu com nuvens formadas, a temperatura subindo rapidamente. No dia anterior chuva pela tarde e muito frio a noite, o que aumentava a probabilidade de um vôo especial. Isso sempre acontece durante a semana, pensei, no caminho para o trabalho.

Pra quem não sabe, um dos vôos clássicos que existem no Rio, é a travessia de São Conrado até o Cristo Redentor. É um vôo relativamente curto, de apenas 14 km (ida e volta), mas muito raro, que acontece em geral nas saídas de frente fria combinadas com entrada do vento sul. Apesar de curto, um vôo técnico que exige passar voando por cima da favela da Rocinha, das Paineras até a glória de chegar a estátua do Cristo Redentor, símbolo máximo da cidade maravilhosa.

Me conformei que era dia de semana, e logo cedo, entrei na rotina das reuniões de trabalho. Na ocasião, trabalhava em um escritório na praia de botafogo, e por volta de 11:30, ao olhar pela janela em direção ao Cristo Redentor pude avistar algumas asas-deltas e parapentes que sobrevoavam a estátua. O sangue começou a subir pelo corpo, e a vontade de me juntar a natureza naquele dia tão especial começava a soar como um convite. Não pensei 2 vezes: decidi trocar meu almoço por um vôo clássico daquele dia.

Rapidamente liguei para o ramal do amigo e piloto Daniel, que trabalhava junto na mesma empresa, e também não titubeou com o convite. Em poucos minutos, estávamos no carro a caminho de São Conrado.

Chegando na rampa às 12:30, percebemos que a idéia não tinha sido apenas nossa, pois estava lotada de pilotos aguardando ansiosamente o momento da decolagem. O horário era apertado (tinha uma reunião às 14h) e o traje não era dos mais adequados. "Que roupa é esta ?", me perguntaram ao me ver de terno e gravata para decolar. "Vôo executivo de primeira classe", brinquei já me equipando para decolar.



Em poucos minutos, engatei na primeira termal e fiquei alto, com o visual da rampa abaixo e São Conrado inteiro praticamente nos meus pés. Realmente o visual do Rio é impressionante: o céu azul, um "mar verde" da Floresta da Tijuca que cobre as montanhas e o visual do mar azul meio esverdeado parecendo uma combinação dos dois. Rapidamente cruzei para o morro do Crockaine, que fica ao lado da rocinha. Pacientemente esperei em vôo a próxima termal que me desse altura para olhar o Cristo. Alguns minutos afundando e subindo lentamente, até que veio a esperada térmica. O variômetro marcando4 a 5 m/s, comecei a subir rápido ... Lá estava eu, em cima da Rocinha, avistando a estátua ... Não pensei 2 vezes: cruzei a rocinha, com altura e segurança, passei avistando os fios de alta tensão que alimentam a maior favela urbana do mundo.



O dia ensolarado, sem sombra, permitiu que, em uma reta só, fosse voando até as Paineras, cruzando o Jardim Botânico e Lagoa, até chegar nas antenas do Sumaré. Mais uma termal, me levando a mais de 1500m do nível do mar, e finalmente estava voando em cima do Cristo Redentor. De terno e gravata, em pleno horário de almoço, de um dia da semana. Obrigado Deus ! Que dia de sonho !



O relógio já marcava bem mais de 13h, e meu tempo livre estava se esgotando até a reunião das 14h. Estava muito alto e de cima podia avistar com folga a praia de botafogo e o prédio da empresa em que trabalhava. Não queria atrasar, já que a reunião era com muitas pessoas ... Resolvi manter o vôo até a praia de botafogo ao invés de retornar para São Conrado. O horário estava apertado. Estava voando uma vela de iniciante, DHV 1 como chamamos, e por isso mais segura, só que com menor performance (consequentemente, a velocidade é menor e com maior taxa de afundamento). Assim, ao cruzar pela estátua, iniciei a travessia da praia de botafogo, no início bem alto, mas em poucos minutos, fui perdendo altura significativa. Olhei para trás e a estátua estava ficando mais alta do que eu, sinal de que eu estava afundando mais rápido do que eu gostaria. Agora, já não tenho altura para voltar, pensei. A única alternativa era seguir reto para a praia de Botafogo.



Lento e devagar passei por cima do prédio da Intelig e Coca-Cola, e estava em cima do aterro. O parapente começou a afundar muito, e a preocupação de não chegar até a praia começava a se formar na minha cabeça. Fazer um pouso forçado em cima do aterro não ia ser legal. Concentração, puxei o acelerador e pressionei o máximo que pude para ganhar mais velocidade.

Efeito de rotor e turbulência dos prédios, o parapente começou a apresentar alguns colapsos e fechamentos, todos controláveis. Por segurança, toquei o reserva como forma de treinar uma eventual necessidade de abrí-lo. Nestas horas, o mais importante é manter o sangue-frio, a cabeça focada no presente para dominar a situação. Meu celular que estava guardado na mochila de trás, começou a tocar por várias vezes. Alguém me ligava insistentemente, pensei "deve ser a reunião". Aos poucos, o susto foi passando e a faixa de areia da praia de botafogo começou a aparecer embaixo de mim ... Ufa, pensei. Fiz mais 1 curva para alinhar contra o vento e fazer a aproximação final para o pouso.



Enfim, os pés tocaram o chão. Com segurança e um sorriso indescritível. Algumas crianças que jogavam bola vieram correndo até mim, curiosos e perguntaram de aque avião eu vim. Expliquei que não era paraquedas, tinha decolando da Pedra Bonita em São Conrado. "São Conrado ?", eles riram, quase duvidando ... Olhei no relógio e faltavam 5 minutos para a reunião ... Avisei o Daniel onde eu estava, e ele quase sem acreditar, chegou rapidamente com o carro no local. Guardei o equipamento na mala do carro, e voltamos para a empresa. O cabelo ainda meio em pé, suado, mas a tempo da reunião. Ao chegar no trabalho, me falaram: "Edu, estávamos te ligando no celular ... Tinha um maluco voando aqui na frente, deve ser amigo seu ...". "É, quem sabe", pensei, com um sorriso disfarçando no rosto antes de revelar e mostrar as fotos.


Nada melhor do que um vôo inesquecível, fiquei trabalhando durante 1 semana, anestesiado pela euforia desta travessia e visual maravilhoso.
Alguns aprendizados:
- O sapato já tava velhinho mesmo ... e concordo que meia branca não é das mais adequadas.
- A rota São Conrado-Praia de Botafogo é uma rota proibida, e fui punido com 1 mês de suspensão por ter invadido este espaço aéreo. Mas com vento sul, os aviões fazem a aproximação por outra rota. Mesmo tendo sido uma boa experiência de vôo, não deve ser feita nem repetida.

Um comentário:

  1. Fala Big Fly! De fato, um dia inesquecível para ficar nas suas histórias e na nossa também rs. Não sabia de detalhes deste dia, a exemplo da pressão da reunião ás 14hs, que era proibido pousar na praia de Botafogo, da mão no reserva e do "desespero" com relação a taxa de afundamento até chegar na praia, Ufa, que vôo ... mas de fato valeu muito a pena e espero realizar este sonho, ainda que em breve voar no Rio e este, que mais distante, voar sobre o Cristo. Só me resta os meus parabéns, não só pelo vôo clássico, mas pela atitude de trocar um almoço por um lindo vôo. Abção. Big Fly.

    ResponderExcluir